Memórias de um advogado filho da puta...

Eu poderia escrever um livro sobre as mazelas da advocacia.
Ou melhor: sobre as MINHAS mazelas na advocacia.

Hoje, chego ao escritório, pensando nas inúmeras ações de cobrança que tenho que montar (vocês não fazem idéia de como há caloteiros neste mundo!), eis que, quando entro na sala do patrão para falar com ele, vem uma inocente pergunta:

-Ei, sabe quando é a audiência do seu Alípio? Sei que é esse mês, mas esqueci o dia.
-Vou olhar na pasta, doutor.

E lá fui eu. Olhei na pasta e voltei com a resposta:

-É dia 11 de abril.
-Hoje?
-Ih, é! Hoje mesmo! Às 14:40.
-Então pare tudo que tem que fazer e corra para o Juizado.
-Mas por quê?
-Pra fazer a audiência.

Imaginem essa criatura brancaaa que vos escreve, ficando três vezes mais pálido. Imaginem as pernas tremendo, os olhos enchendo de água, a agonia de tentar imaginar a cena... E apenas uma resposta a ser dada:

-Mas, doutor, eu nem olhei a inicial. Nem conheço o caso.
-Vai lendo no caminho. Tudo bem?
-Não. Estou com medo!

Às vezes eu me surpreendo com o quão sincero eu sou, mesmo nos momentos em que eu mais preciso mostrar-me capaz, bem resolvido, inteligente, seguro e tudo mais... Será que isso seria uma qualidade?

Enfim, meu medo não o comoveu. A resposta foi direta: “Mas doutor, não é pra ficar com medo... Essa é a sua profissão!” ...Eu não ia entrar na extensa novela de: “Mas não é isso que eu quero pra minha vida, bla bla bla...” ...Até porque, a lógica é bem simples: quem está na chuva...

...E lá fui eu me molhar!

Olhei para o relógio: 14:10. Eu tinha meia hora para (a pé) chegar ao Juizado. Eu sabia que uma audiência de conciliação é algo simples DEMAIS, nem é com Juiz. Só que não me sinto seguro pra isso, sei que não tenho vocabulário jurídico suficiente. No caminho, fiquei relembrando as poucas informações que o patrão me passou, como uma criatura robotizada que certamente iria entrar em desespero caso fosse feita qualquer pergunta diferente das que eu esperava.

Cheguei ao Juizado eram 14:25 (nunca fiz esse caminho tão rápido!), então enchi o peito de ar e lá fui eu...

...Me perder no Juizado O.o

É, consegui a proeza de me perder num prédio de TRÊS andares. Mas o motivo é respeitável: tinha no mínimo umas dez salas de audiência, e eu saí como um louco olhando as pautas (um papel que fica na porta das salas, com os horários das audiências) de todas as salas, e sem encontrar a do meu cliente... Por fim, já eram 14:50, encontrei a que eu procurava. Para minha sorte, ainda estava na audiência das 14:30, a minha seria a próxima. Ufa... Tudo resolvido!

Mas, perai... Cadê o meu cliente???

Desesperado, peguei o celular e liguei para o escritório:

-Doutor, o cliente não está aqui!
-Não?
-Não! E a audiência é a próxima, já vão chamar.
-Eu vou tentar entrar em contato com ele. Se você for chamado antes de ele chegar, peça ao conciliador para convolar... Diga que você precisa de uma convolação! ...Já te ligo de volta.
-Tá, mas, doutor... – Som da ligação sendo desligada. - ...Eu preciso de uma Convolação! Ah, é isso... Eu só preciso pedir uma convolação...

...Vocês sabem o que é uma Convolação?

...Nem eu!

Eu deduzi que só poderia ser duas coisas: ou marcar uma outra audiência, ou aguardar um momento, para dar tempo da parte chegar.

Mas eu não queria convolação, que coisa! Queria era resolver logo essa Ação! Aguardei uns dez minutos e liguei de novo para o escritório.

-Doutor, o cliente não chegou, e... Ai, meu Deus, estão chamando!! É a minha vez. O que eu faço?
-Eu liguei pra casa dele, a esposa disse que ele já tinha saído. Com certeza deve estar perdido no prédio. Diga ao conciliador que precisa de uma convolação, porque seu cliente já está chegando, tchau.
-Mas... – Novamente, ligação encerrada.

Aí eu pude deduzir um pouco melhor que a tal da convolação só poderia ser a minha segunda opção: “Aguardar”. Eu só não entendo porque essa gente precisa inventar um novo idioma.

Bem, mas eu entrei na sala de audiência e percebi que não era apenas o autor que havia faltado... O réu também não estava lá. Oh, Deus, que coisa mais perfeita!!! Na minha primeira audiência, o réu não aparece! Era só decretar a revelia, e estava tudo certo!

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Dicionário Jurídico:

*Revelia: Quando o réu não dá as caras.


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...ESTARIA tudo certo se meu autor estivesse lá.

-O doutor é...
-Ah – ajeitada básica na postura – Sou o advogado da parte autora.
-E onde está o autor?
-Er... Ele não chegou ainda. Teve alguns contratempos, mas já está a caminho.
-Nesse caso, vou ter que notificar a falta dele... – Ela ameaçou começar a digitar algo.
-Espere!
-Sim? – Ela me olhou.
-Éééé... Peço convolação! (... seja lá o que isso for!)
-Hm... Não vou convolar, doutor!
-Não, é? (convolar deve ser algo muito ruim!!!)
-Não. Mas vou fingir que o doutor não esteve aqui e chamar a próxima audiência, depois torno a lhe chamar.
-Obrigado!! – Sorriso de orelha à orelha.
-Mas se seu cliente não tiver chegado, terei que notificar a falta dele.
-Ah... Certo... – Sorriso sendo desfeito.

Saí da sala como um relâmpago e rodei aquele prédio inteiro atrás do meu cliente! Não o encontrei. Chegou novamente a minha vez e lá fui eu de novo, entrar sozinho na sala, ficando cara a cara com a conciliadora que não gosta de convolações! Eu já ia pedir clemência mais uma vez quando ela disse:

-Olha só, doutor, eu estava olhando o processo e vi que, mesmo que o autor viesse, não faria diferença.
-Não, é? ...E por quê?
-Porque o Réu não foi citado.

E ela me mostrou o AR. da citação do Réu, preso aos autos do processo (traduzindo: Ele não foi encontrado para ser citado e o AR voltou, junto com a carta de citação).

...Mas vai ter tanta sorte assim lá longe! Se o Réu tivesse sido citado e comparecesse, meu cliente estava lascado por não ter comparecido. Mas, com isso, de qualquer maneira (mesmo que o autor tivesse ido), teria que ser marcada uma nova audiência. Princípio da Ampla Defesa, meus caros! (...Se não for isso, é algo bem próximo! O.o) E tudo que terei que fazer é entrar com uma petição, justificando a falta do meu cliente e pedindo para ser marcada uma nova audiência....

Simples assim!

Assinei o que tinha que assinar e fui embora, feliz, sorridente e com a missão cumprida (Não cumprida como se desejava, mas cumprida, de alguma forma). E adivinhem quem eu encontrei no escritório? O meu cliente sumido! Um senhor de setenta e poucos anos. De fato, ele esteve perdido no prédio... Mas no prédio ao lado. Ele foi para o Fórum, ao invés de ir para o Juizado, e passou horas me esperando, sentadinho, em frente à sala de audiência da 1ª Vara Cível (enquanto eu o procurava diante do 1º Juizado Especial Cível, que é onde a audiência aconteceria)...

...Desencontros da vida!

Ao menos, esse não foi fatal.

Se descobrirem o que ao certo é uma Convolação, não esqueçam de me contar!

A burrice

Esses dias estava refletindo sobre o ser humano, em como as pessoas podem ser terrivelmente estúpidas, burras, irracionais e muitas vezes cruéis. E quando falo isso não estou falando diretamente sobre assassinos, estupradores, sociopatas em geral, muito pelo contrário, talvez eles sejam fruto dessa categoria de pessoas que citei acima. Falo sobre pessoas aparentemente normais, ou pelo menos chamadas assim.

Assisto muita televisão e talvez essa seja minha maior fonte de pesquisa. Jornais, debates, entrevistas, opiniões do povo, enfim, pessoas despidas de personagens, apesar de todos sermos um. Fiquei reparando em como as pessoas são suscetíveis à opinião do outro, em como as pessoas encontram dificuldade em ter uma opinião, em como a falta de informação faz das pessoas objetos fáceis de serem manipulados e assim, sendo educadas da forma mais burra do mundo.

Tenho pra mim que a religião, o maior câncer do ser humano, é um dos maiores responsáveis por essa burrice. Um vez li uma frase, que não lembro o autor, mas que nunca esqueci: “A maior estupidez do homem foi um dia misturar fé com religião e amor com casamento”. Nada mais acertado no que diz respeito à religião. A religião, mesmo sem que a gente pedisse, impôs regras, normas, dogmas e pecados . A católica, por exemplo, fez isso há quase dois mil anos por pessoas sem a menor instrução, altamente fundamentalistas e ainda hoje obriga seus fiéis a seguir. E a religião foi só um fator que contribuiu no emburrecimento das pessoas.

As regras que nos são impostas, religiosas ou não, foram colocadas numa redoma de vidro à prova de quaisquer questionamentos; ou vivemos sob sua regência ou somos obrigados a viver à beira da sociedade, marginalizados por desobedecer regras que não escolhemos, que sequer participamos de sua criação, que perderam sua eficácia a partir do momento que nos foi dada a liberdade de pensar, questionar e principalmente quando, depois de muitas revoluções, nos foi permitido viver.

O tal livre arbítrio é a mais antiga utopia que conhecemos. É verdade, temos livre arbítrio pra fazer o que quisermos, mas ninguém colocou entre parênteses que dependendo do que fizer uma multidão irá te julgar e essa mesma multidão poderá expulsar você da convivência de todos, poderá te apedrejar, condenar e te colocar num lugar invisível: o mais absoluto esquecimento.

A questão da burrice parte dessa premissa: muitos julgam sem ao menos questionar, muitos opinam sem ao menos conhecer, sem ao menos te ouvir. As pessoas foram programadas a uma limitação de pensamento e transgredir esse limite pode te fazer um grande pensador, um formador de opinião ou um marginalizado, uma aberração, um ninguém. Nos foi dada a possibilidade de pensar e falar o que quisermos, desde que falemos apenas do que pode ser dito, do que é socialmente aceitável, do que “Deus” permitiu em seus pergaminhos, do que alguém, há muitos e muitos anos atrás decidiu sozinho ser certo.

Antecipando o aniversário de 1 ano de um dos dias mais estúpidos da minha vida: Crônica do dia 15 de novembro de 2006.

Hoje acordei às sete da manhã na intenção de ir pro meu curso no centro. Olhei pro relógio do meu celular e o despertador não havia nem tocado ainda. Fui dormir às duas e meia da manhã e acordei às sete sem ajuda do alarme? Algo estranho estava acontecendo. Meus ouvidos se fecham e ensurdecem para não ouvir o maldito alarme quando tenho curso me deixando assim com menos culpa em matar aula. "Eu juro que não ouvi tocar", me auto-justifico. Mentira! Eu ouvi sim! Fingi não ouvir ou fingi ser fruto da minha imaginação.

Mas hoje foi diferente, mesmo sabendo do meu compromisso, mesmo dormindo tarde, mesmo com sono eu acordei antes da hora. Isso me deixou tão intrigado a ponto de eu decidir faltar a o curso para meditar sobre o assunto. Por que eu havia acordado tão cedo? (o curso começa às 9:30 apenas) Por que o fato de eu ter acordado sozinho para ir ao curso me deixou intrigado e me fez matar aula mais uma vez? Pensei comigo mesmo: "Se isso aconteceu não era pra eu ir no curso... Humm... Isso era um sinal, um sinal que eu ainda não tinha conseguido entender ou captar."

Decidido a matar aula fui pra minha cozinha em busca de um alimento que fizesse meu cérebro agir e funcionar em busca de respostas. Abri a geladeira e encontrei um resto de carne de soja que tinha feito pro jantar no dia anterior. Não pensei duas vezes em comer aquilo, mesmo gelado. Pra beber as opções eram: suco artificial de graviola, suco artificial de morango, suco artificial de limão, suco artificial de pêra. Optei pelo de graviola. Incrível como esses sucos em pozinho são tão eficientes numa hora que não encontro uma coca-cola light na geladeira.

Sentei no sofá com a carne de soja e o suco artificial de graviola; minha cachorra pensou que fosse o café da manhã dela e veio pro meu lado na intenção de me bajular. Olhei pra ela e falei alto: "Sua ração é aquela lá, essa aqui é minha!". Que merda, que grande merda... Acordado em plena quinta-feira às sete da manhã comendo carne de soja e tomando suco artificial de graviola com uma pitbull olhando pra mim e reconhecendo a sua própria ração. E eu ainda fico faltando o maldito curso que poderia me trazer algum benefício para mudar essa situação. Poderia me dar tantas oportunidades de bons empregos e ao invés de estar comendo carne de soja e suco artificial de graviola, poderia estar tomando um café da manhã digno da realeza que eu julgo ser pertinente à minha pessoa. Isso me afetou. Isso me deixou confuso. Assim como o fato de eu ter acordado sem o despertador no dia do meu curso. Pensei: "Vou pro curso! Isso é um sinal!" Olhei pra minha cachorra e disse: "Você quer essa 'ração' que eu tô comendo? Toma, é sua!" Joguei a comida pra ela com um tom blasé e fazendo cara de nojo pra comida que há 30 segundos atrás eu estava comendo feliz da vida, virei o suco (eu realmente estava com sede, não quis dar pra ela) e fui tomar banho.

Me arrumei rápido como nunca havia me arrumado, peguei as apostilas, livros e cadernos, joguei tudo na mochila, peguei meu celular e saí correndo numa euforia única, quase lírica, de ir para o meu curso cheio de certeza que este sinal poderia mudar minha vida. Bem, pra ser sincero também não fui tão eufórico assim, antes ainda entrei no meu computador pra ver meu orkut e quem estava online no meu msn. Mas isso não demorou nem vinte minutos.

Voltando... Peguei o elevador, dei um bom dia super animado pro meu porteiro que me respondeu com espanto, atravessei a rua e fui na padaria comprar uma coca-light. Ahhhh, finalmente um café da manhã decente! (Viu? Eu disse que tava com sede!)

Com a latinha na mão e o celular na outra fui para o ponto de ônibus. Enquanto esperava fiquei lendo as manchetes do jornais da banca de revista que fica exatamente ao lado do ponto. Lula faz acordo com PMDB, democratas ganham nos EUA, turismo no nordeste espera compensar o prejuízo do feriado de finados por causa da crise dos aeroportos NESTE FERIADO DE 15 DE NOVEMBRO... Ahn??????? Olho para a data do jornal e não acredito no que meus olhos vêem: 15 de novembro de 2006. Olho pro meu celular e confirmo a fatídica data. Com vergonha de mim mesmo, das pessoas ao meu redor que reparavam meu espanto, do meu porteiro que me viu descendo todo animado de mochila pra ir pro curso e da minha cachorra que deve tá feliz de barriga cheia com a minha carne de soja gelada, jurei pra mim mesmo que o meu curso tinha acabado naquele momento e que eu mesmo expediria meu certificado assim que chegasse em casa.

De cabeça baixa, passei pelo meu porteiro novamente e ainda tive que ouvir um "Caiu da cama e esqueceu que era feriado, né?". Ou seja: além de preguiçoso você é idiota, né? Subentendeu-se naquela frase teoricamente tão ingênua e simpática.

Chegando em casa encontro minha cachorra amoada no sofá e uma poça de vômito no meio da minha sala com a carne de soja toda espalhada no meio daquele suco gástrico verde/amarelo. Passei por cima dele com um largo pulo, fui para o meu quarto sem me preocupar em limpar o vômito ou cuidar da cachorra que tinha passado mal com a MINHA comida, tirei a roupa que estava e deitei na minha cama. Ainda não tinha assimilado a imensa estupidez que havia cometido. Maldita hora que resolvi sair dessa cama. Maldito curso, maldita carne de soja, maldito suco de gravila artificial, maldito porteiro, maldito feriado, maldito porteiro novamente, maldita cachorra, bendita CAMA...

Vou dormir, com ódio no coração e certo de que deveria seguir os meus sinais. Eu disse que não deveria ir no curso, eu disse que era um sinal, EU SABIA!!! Tarde demais pra lamentar.

Prefácio


Desde os primórdios da humanidade os filhos da puta vagam pelo mundo à procura de um espaço, um lugar, um nicho ou simplesmente de um interlocutor disposto a ouvir os devaneios, gemidos, sussurros e gritos de desespero, angústia e agonia inerentes à condição de filho da puta. Eis-me aqui, filho da puta por acaso, filho da puta cármico, filho da puta confesso, filho da puta de uma mãe que não é puta, mas que herdou da genética da vida, a verdadeira puta, a 'putice' peculiar dessa classe. Este blog é apenas um registro com anotações diárias de um desses filhos da vida, do verdadeiro filho da puta, feito por mim e apenas para mim. Estranhos não são bem vindos!